Tropeços da marca Neymar

Neste conturbado 2018, marcado pelas insistentes crises econômica, política e moral; greve de caminhoneiros que paralisou ou país; aumento da mortalidade infantil; período eleitoral que se aproxima; e o ânimo esmaecido pela lembrança dos 7 X 1 contra a Alemanha há quatro anos, não é de estranhar que o brasileiro não tenha se mostrado tão esperançoso com relação a Copa do Mundo. 

Mesmo assim, milhares de pessoas encontraram forças para torcer pela Seleção Brasileira – um time formado jogadores muito bem pagos, que atuam nos mais diversos clubes mundo afora. Um dos quais, considerado o jogador mais caro da história de Futebol: Neymar. 

No ano passado, o Paris Saint-Germain aceitou pagar 222 milhões de euros (cerca de R$ 820 milhões na cotação do ano passado e mais de R$ 970 milhões na cotação de hoje) ao Barcelona pela rescisão de contrato do jogador com o clube espanhol, além de pagar 2,5 milhões de euros por mês (cerca de R$ 11 milhões na cotação de hoje) ao atleta.

Apesar das cifras, o jogador – que foi criticado pela troca – alegou que a mudança se devia ao “desafio” e não ao dinheiro. Difícil de acreditar, especialmente quando levamos em consideração seu comportamento de lá para cá.

Neymar ficou afastado dos gramados entre fevereiro e maio por conta de uma contusão. Seu retorno, defendendo a Seleção Brasileira durante a Copa, foi cercado de cuidados. Comissão técnica, colegas de equipe e até mesmo parte da imprensa, todos muito condescendentes com o eterno “menino”, poupado de exposição a todo custo.

Em campo, porém, Neymar se mostrou o garoto mimado e malcriado que é. Encarnou tudo aquilo que o brasileiro vem aprendendo (a duras penas – diga-se) a rejeitar. Escolheu o caminho da farsa, da malandragem. Movido pelo ímpeto de “levar vantagem” em tudo, se jogava, gritava e encenava feito um bebê impertinente a exigir que lhe fizessem as vontades.

Como era de esperar, logo virou meme mundial. Mas a disseminação de vídeos e piadas pelas redes sociais, vindas de todas as partes do globo, não foram suficientes para que o rapaz alterasse a “performance” dentro de campo.

Ainda assim, o eterno garoto foi poupado. Técnico e parte da mídia se adiantou a justificar: “o jovem é muito cobrado”, “é muita carga nas costas de um só”. 

Balela, retrucavam os envergonhados torcedores ao perceber que jogadores de seleções de outros países sofriam pressão semelhante, ou até maior, sem apelar para a grotesca encenação protagonizada pelo brasileiro. 

Até mesmo a garotada, que antes vestia orgulhosamente camisetas com o nome do ídolo gravado nas costas, hoje prefere trocar vídeos divertidos nas redes sociais com pessoas caindo ao redor do mundo à simples menção do nome do jogador.

Em vez de vir a público e tentar se desculpar, Neymar seguiu protegido pelo séquito destacado para preservar sua imagem a todo custo. 

O silêncio, porém, foi rompido de forma desastrosa no dia 29 de julho. No intervalo do Fantástico, um dos patrocinadores do jogador levou ao ar um comercial no qual o rapaz justificava sua burlesca atuação.

Ficou pior.

O jogador não convenceu ninguém ao ler, sem qualquer emoção ou vontade, um texto produzido por uma equipe de publicitários, em anúncio pago. Ninguém comprou a história do “menino” que sofre dentro e fora de campo.

Para o público ficou claro que Neymar não se arrepende de nada. Aliás, nem mesmo acredita que tenha errado. Garoto mimado que é, acha que erradas são as pessoas que o criticam. Pedir desculpas? Justificar-se? Só mesmo se for muito bem pago para isso.

As redes sociais novamente foram palco para manifestações de insatisfação.

Queda da marca

Neymar cai ruidosamente outra vez. Só que, agora, leva consigo uma marca que busca reposicionamento no mercado.

Empresas buscam aproximar suas imagens de pessoas públicas admiradas o tempo todo. Isso não é novidade. É difícil para uma marca resistir ao apelo de agregar as qualidades atribuídas às personalidades. 

Se as pessoas desejam ser o Neymar (ou a mãe, ou o pai, ou a namorada), é óbvio que empresas queiram mostrar o jogador usando seus produtos em inúmeras peças publicitárias, divulgadas em vários formatos e em todas as plataformas. É prática corriqueira na publicidade associar características pessoais, como habilidade, foco, capacidade, beleza, força, agilidade e tantas outras, a produtos, serviços ou empresas. É como dizer: “você não pode ser o Neymar, mas pode usar o desodorante que ele usa”. 

Também não é ignorado, porém, o risco que esse tipo de relação pode trazer para uma marca. Pessoas são falíveis, podem se envolver em escândalos de toda natureza e, da mesma forma, transferir essas quedas (com o perdão do trocadilho) para a marca. Não é à toa, portanto, que contratos de publicidade desse tipo tenham tantas cláusulas, impondo e vedando condutas.

A Gillette assumiu o risco. E foi além quando, em vez de repreender ou cobrar um posicionamento público do atleta, tentou atuar para a melhorar a imagem de seu garoto-propaganda em um comercial para a TV.

Tal atitude também não é nova. A Nike já havia feito algo semelhante com o golfista norte-americano Tiger Woods, há oito anos.

Considerado um dos melhores jogadores de todos os tempos, Woods já mostrava suas habilidades no golfe aos oito anos de idade. Aos 15 anos, se tornou o mais jovem vencedor do torneio U.S. Junior Amateur. O esporte o levou à universidade. Cursou Economia em Stanford. Em 1996, aos 20 anos, se profissionalizou e, em seguida, assinou contrato milionário com a Nike e outro com a Titleist (marca de acessórios de golfe). De 1999 a 2004, liderou o ranking oficial de jogadores de golfe. Alcançou o topo da lista mundial do golfe profissional. Foi eleito 10 vezes o jogador do ano pela associação oficial de golfe (PGA) e, em nove anos, foi o jogador que mais lucrou com o esporte.

Carismático e competente, o astro do golfe era filho de pais mestiços (o pai tinha ascendência afro-americana, chinesa e americana nativa; e a mãe era tailandesa, com ascendência chinesa a alemã) e foi figura importante na popularização do esporte entre minorias raciais nos Estados Unidos.

Antes de completar 35 anos, Tiger Woods era bilionário. O atleta acumulava, em 2009, US$ 1 bilhão em patrocínios, cachês e prêmios, de acordo com a Revista Forbes. Tinha contratos de publicidade com marcas importantes ao redor do globo, como General Motors, AT&T, Gatorade e tantas outras.

Nesse mesmo ano de 2009, tabloides sensacionalistas noticiaram que Tiger Woods – casado, pai de dois filhos e considerado um exemplo a ser seguido – mantinha inúmeros casos extraconjugais. A história repercutiu e a “lenda” do golfe se transformou no “traidor da família” americana. 

Os patrocinadores, entre eles a própria Gillette, debandaram. Contratos foram rompidos, peças publicitárias suspensas ou retiradas do ar. 

É bem fácil entender os motivos. De acordo com a empresa Davie Brown Entertainment (que mede o valor da “marca” de atletas, bem como confiança do público e o quanto as pessoas querem ser como esses atletas), após os escândalos, a vontade do público de ser como Tiger Woods caiu 40%. E para as empresas que pagam caro para associar suas marcas às qualidades de uma pessoa, esse índice é fundamental. 

Depois de cerca de cinco meses afastado do esporte, Woods voltou a disputar um torneio profissional, em 2010. 

A Nike, que optou por manter o contrato publicitário com o atleta, veiculou um comercial de 30 segundos no intervalo de uma disputa do jogador transmitida pela ESPN.

No filme em preto e branco, o golfista aparece do peito para cima. Ao fundo, a paisagem quase neutra de um campo de golfe. Sua expressão é triste, melancólica. O olhar transparece arrependimento. O atleta não abre a boca. Apenas olha para a câmera, enquanto se ouve a voz do pai, Earl Woods (que morreu em 2006 – a fala foi tirada de uma entrevista, mas não se sabe qual era o contexto), que diz: “Tiger, sou mais propenso a ser questionador para promover o debate. Quero descobrir o que você estava pensando. Quero saber o que você estava sentindo. E se você aprendeu alguma coisa”.

A peça publicitária foi bem aceita pelo público. Vale lembrar, porém, que no início deste ano, a empresa não teve a mesma postura e optou por romper seu contrato de quase uma década com o boxeador filipino Manny Pacquiao após declarações homofóbicas do atleta.

O motivo? A repercussão nas redes sociais.

Sim, as redes sociais seguem transformando as relações do público com as marcas, os políticos, instituições, celebridades. 

As pessoas, hoje, têm consciência de seu poder. Elas têm voz e sabem muito bem como usa-la, seja para elogiar, questionar ou criticar.

Não é de se estranhar, portanto, que a tentativa frustrada da Gillette de ajudar a recuperar a imagem arranhada de seu garoto-propaganda tenha se tornado um verdadeiro tiro no pé. 

A marca esqueceu de ouvir seu público. Talvez um puxão de orelha num menino mimado tivesse repercussão menos negativa.

por Cíntia Cury