Consumidor Eleitor Cidadão

Por Edson Vismona –

Como dizia o pensador Alceu de Amoroso Lima: “O Brasil começou pelo fim”. A estrutura do estado português chegou antes do povo. A partir dessa nossa origem fica mais fácil entender as relações entre Estado e cidadão. Este, desde o início, se submeteu a uma ordem já definida e a ideia de que a ação do estado é um favor e não um dever de prestar serviços se arraigou no nosso DNA. Nós pedimos e o poder público concede ou não.

Essa verdade, depois de séculos, começou a ser questionada. Após largos períodos ditatoriais, aos poucos, nós brasileiros, vamos incorporando o papel de cidadãos.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 foi um marco. Os direitos e garantias fundamentais estão definidos no artigo 5°. e representam a essência dos fundamentos constitucionais brasileiros e não podem ser alterados, formando as chamadas “cláusulas pétreas”.

Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 1990, determinação de uma das disposições constitucionais transitórias, o brasileiro começou a entender que, ao comprar um produto ou serviço, tinha direitos e passou a exigi-los, alterando sua postura perante as empresas.

Contudo, no exercício da sua cidadania frente ao governo, o posicionamento mais ativo ainda está amadurecendo. Como eleitor, o brasileiro já exerce a democracia representativa: elege seus representantes; porém, ainda não compreende o outro lado dessa mesma democracia, a participação. Não basta conferir um mandato aos governantes eleitos é preciso participar, exercer um efetivo controle sobre a administração pública, diminuir os espaços para desmandos e desperdício de recursos públicos.

Essa lógica que se impõe em uma democracia está por se consolidar na nossa sociedade. Podemos afirmar que o brasileiro, primeiro entendeu ser titular de direitos como consumidor e depois começou a compreender que, também, é titular de direitos e deveres como cidadão e eleitor.

Nas últimas manifestações de rua a tônica foi: “queremos ser respeitados e entendemos que o dinheiro do governo é nosso”. Por consequência, ressalta a lição que coisa pública é de todos e não de ninguém, e que chega de tratarem os imensos recursos públicos como se fossem particulares. Uma verdadeira lição do exato significado de República!

Diante dessa verdadeira explosão de consciência, muitos dos que exercem mandato público não compreenderam que havia algo diferente nas ruas. As exigências não são pontuais, são de mudança de atitude. Os inúmeros desvios de conduta, confundindo o público com o privado, o partido com o governo e o governo com o estado, já não são mais aceitos.

É dever do estado, como está previsto na nossa Constituição Federal, viabilizar meios que estimulem a participação do cidadão

Os mecanismos de transparência dos gastos públicos, a lei de acesso à informação, a disseminação de ouvidorias e controladorias são iniciativas que devem ser fortalecidas, seja por resultar de determinação legal, seja por ser uma demanda da sociedade.

Em verdade, o cidadão brasileiro, dia a dia, compreende o seu protagonismo no quadro eleitoral. É ao cidadão, que consome produtos e serviços de empresas privadas e também é usuário de serviços públicos, que devem ser prestados, não como um favor, mas sim como o primeiro dever do estado que administra os recursos públicos, que são de todos. Consumidor, contribuinte e eleitor, dimensões que se reúnem no cidadão, que exige ser respeitado em cada um desses papéis.

Otimista, creio que o encontro da Constituição com a República deixará de ser uma coincidência geográfica (no Rio de Janeiro, a Rua da Constituição termina na Praça da República) e passará a ser uma realidade. Os brasileiros clamam por essa conquista.

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Edson Vismona, ex-secretário de Justiça de SP. Preside Conselhos Transparência da Administração Pública/SP e Deliberativo da Assoc. Bras. de Ouvidores/Ombudsman. É presidente executivo do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade.

E-mail: e.vismona@uol.com.br

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